Discutir sobre
cibercultura e cidadania nos remete a pensar acerca dos processos democráticos
aos quais estamos inseridos, bem como refletir sobre o próprio conceito de
democracia que as sociedades capitalistas experienciam na contemporaneidade,
fruto de desdobramentos históricos importantes e que muito pode dizer sobre o
modo como as sociedades e os estados nações se organizam em torno de temas como
o aqui proposto. Já foi discutido aqui sobre as transformações sociais causadas
pelo desenvolvimento tecnológico e científico que mudou profundamente o modo
como às pessoas se relacionam com as diversas instâncias da sociedade e com
elas mesmas.
O desenvolvimento
de tecnologias digitais – web 2.0 – dentre outras, mudou radicalmente a relação
dos sujeitos com o conhecimento e sua produção. Penso que há atualmente uma
maior participação, pelo o menos no nível das “opiniões” que circulam em rede,
dos sujeitos constituídos socialmente; não raro nos deparamos com debates sobre
temas políticos, raciais e tantos outros que irradiam movimentos e discussões
que não se restringem ao espaço digital, mas que conduzem, também, a mudanças
de comportamento.
Poderíamos pensar,
então, que experimentamos – em web – um ambiente democrático onde temas e
discussões são conduzidos de modo que interfira diretamente em nossas vidas. No
entanto, nem sempre a qualidade de informações e opiniões são a tônica neste
espaço, pois sua utilização se dá por diversas vias, aglutinando pessoas em torno
de temas que simbolicamente fazem sentido para determinado grupo. Assim, como
temos defensores dos direitos humanos e críticos do capitalismo predatório,
temos também os defensores da ditadura, da tortura e desigualdades. Mas a meu
ver, isso não desabona este espaço, que considero, pode proporcionar um salto
de qualidade em nosso pensamento.
Um fato
importante, que vem me chamando a atenção, é que cada vez mais observamos
pessoas inferindo críticas às mídias de massa, sobretudo as grandes empresas
televisivas, que têm visto seu poder hegemônico e quase intocável abalada
frente às grandes mídias digitais, bem como reportagens e opiniões sendo
rechaçadas quase que instantaneamente por pessoas “comuns”. Para mim, sem
dúvida, isso representa um avanço. Porém, observamos também movimentos
contrários à participação das pessoas nos ambientes digitais. Diversas empresas
que tem suas opiniões e produtos sendo questionados tem interesse em cercear o
fluxo livre de informações na internet; contando com a ajuda das operadoras de
telefonia, maior detentora das redes de internet.
Atualmente no
Brasil temos duas realidades que se destacam no que se refere à utilização da
internet. Uma diz respeito à banda larga fixa, que limita o acesso através da
velocidade da internet, estabelecendo preços diferenciados para cada
velocidade, ou seja, navega com maior velocidade quem pode pagar mais. Outra
realidade diz respeito aos pacotes de dados vendidos pelas operadoras de
telefonia, situação que atrela o uso da internet ao controle dos usuários,
estabelecendo um limite para a navegação. Como podemos falar em inclusão
digital em um cenário como este?; quando se atrela o uso ou aquisição da
internet, bem como dos computadores à renda das pessoas, estabelecendo preços
elevados para o seu acesso, há uma clara exclusão das pessoas com pequeno ou
nenhum poder aquisitivo. Colocando os menos favorecidos à margem do processo de
inclusão digital e estabelecendo, no âmbito da “cibercidadania”, os discursos
que circulam e os que não podem circular.
Tramita no
congresso um projeto de lei que pretende estabelecer a proibição da internet de
banda larga, colocando a venda de pacotes de dados como a única via de acesso a
internet. Isso além de representar um retrocesso, é também um ataque à
liberdade de expressão dos sujeitos constituídos digitalmente, assim como
significa um maior controle das informações em rede. Esse movimento ganha fôlego,
sobretudo, pela classe política que vê, muitas vezes, o seu trabalho – ou a falta
dele – sendo questionada a nível nacional e porque não mundial.
Portanto, falar em
cidadania e democracia, sob os auspícios do capitalismo, é também falar da
falta delas. O aprisionamento de informações é típico do capitalismo, que se posiciona
quase sempre numa condição de única detentora de direitos com fins de obter
lucros irrestritos através da produção de ciência e tecnologia e na
disseminação de ideologias que espelham o seu modo de vida. Permitir intenções
outras que não espelham esse modo de vida, representa uma ameaça que precisa
ser contida; um exemplo muito significativo diz respeito ao já discutido aqui,
software livre, que tem suas ideias básicas atacadas pelos defensores do
software proprietário, pois este representa uma ameaça a disseminação de seus
ideais.
Referências
NETO,
Saul de Oliveira Sichonany; NASCIMENTO, Valéria Ribas. A Cibercidadania como direito humano de terceira geração e o acesso à
internet em alta velocidade: a PEC 479/2010 frente a inclusão digital. In: ROVER, Aires José; FILHO,
Adalberto; PINHEIRO, Rosalice (Coord). Direito e novas tecnologias. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p.
35-60.
SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Para
além da inclusão digital: poder comunicacional e novas assimetrias. In: BONILLA,
Maria Helena; PRETTO, Nelson De Luca. Inclusão digital: polêmica contemporânea.
Salvador: EDUFBA, 2011, p. 49-59


